Íntegra da palestra "Princesa Isabel: exemplo excelso de amor ao Brasil, na dimensão fé e política"
O Blog Monarquia Já disponibiliza exclusivamente, na
íntegra, a palestra proferida pelo Prof. Hermes Rodrigues Nery, Coordenador do
Movimento Legislação e Vida, no III Simpósio Conservador de Belo Horizonte
(MG), em 7 de agosto de 2015.
Assista a palestra: "Princesa Isabel: exemplo excelso de amor ao Brasil,
na dimensão fé e política"
PRINCESA ISABEL: EXEMPLO EXCELSO DE AMOR AO
BRASIL, NA DIMENSÃO FÉ E POLÍTICA
Por Hermes Rodrigues Nery
Caríssimos amigos,
Com alegria, retorno a Belo Horizonte, ao
qual agradeço pelo convite em participar deste III Simpósio Conservador, ao que
parabenizo mais uma vez pela iniciativa, tendo em vista a importância de
momentos como este, de aprofundamento, de intercâmbio de ideias e experiências,
no sentido de nos ajudar a encontrar melhores meio de atuação, num contexto
político atual, de deterioração moral em todos campos, em que as instituições
estão capituladas, urge portanto retomar o sentido do civismo em nosso País,
capaz de fazer revigorar nossas bases morais. Só assim conseguiremos superar a crise
da representatividade e da legitimidade, para um governo sadio. Daí também a
crise de liderança, da confiança em quem exerce funções diretivas,
especialmente na gestão pública.
O problema todo que está na raiz desta
debacle moral, e as suas terríveis consequências de desarranjo e instabilidade
generalizada, é justamente porque “já não há um ambiente geral cristão”1,
e sabemos que o cristianismo é, em todos os períodos da História, a força
propulsora dos princípios e valores morais que dão solidez aos empreendimentos
efetivamente comprometidos com o bem comum e a dignidade da pessoa humana. O
fato é que “nos primeiros séculos de nossa era, o mundo não era cristão, chegou
a sê-lo; hoje não o é. A diferença é que antes ainda não o era e hoje já não o
é, e esta diferença é muito importante”2, por isso o agravamento em
nível global da corrosão política, por faltar justamente aquilo que só o
cristianismo pode oferecer. E para que possamos saber o que fazer em meio a
crise em que vivemos, também no campo político, é preciso voltar a compreender
o que é ser cristão, “para que o que é cristão possa voltar a ser compreendido”3.
A distinção entre César e Cristo, foi dada
claramente pelo próprio Cristo, e mesmo a Igreja não tendo modelos políticos a
propor, traz em sua doutrina moral e social, diretrizes imprescindíveis que
inspiraram grandes lideranças (como Santa Joana d’Arc) e fizeram inclusive
governantes santos, a exemplo de São Luís e São Thomas More, referências até
hoje, no cristianismo, da verdadeira dimensão fé e política.
Foi justamente esta dimensão que contribuiu
para o esplendor civilizacional, com a “conexão desta vida com a outra”4,
dimensão sempre pontifícia [da ponte com a realidade sobrenatural, que é a
origem e a destinação final de todos], pois o próprio Jesus disse a Pilatos: “O
meu reino não ´deste mundo”5, mas começa aqui, na provisoriedade, o
que será vivido plenamente na vida eterna. Imbuído dessa convicção, os
governantes santos foram capazes de vigências morais a dar sentido [direção] à
vida humana, para o essencial, e também porque não agiram com a tentação de
“transformar em pão as pedras do deserto”6, deixando “Deus de lado”7,
[é a tentação de hoje com a ideologização da fé], mas sabendo do maná do
Senhor, e de Suas Leis, para que a política esteja também purificada de tais
tentações, e as decisões dos governantes estejam mais em consonância com a
verdade e o bem. Como destaca Bento XVI, “ordenar, construir o mundo de um modo
autônomo, sem Deus”8 é o grande equívoco a tirar da política a sua
base moral, vulnerabilizando com isso, pessoas e sociedades à ilusões,
violências e infelicidades incontáveis.
“Onde Deus é excluído, a lei da organização criminal toma seu lugar, não
importa se de forma descarada ou sutil”9. É o que estamos vendo
hoje, inclusive em nosso País, e em toda a América Latina, quando grupos de
poder, inteiramente amorais e imorais, aparelharam as instituições (e inclusive
setores da Igreja) e tomam decisões, agindo com volúpia e abusos de poder,
buscando impor uma ideologia irrealista que favoreça apenas tais grupos de
poder e não a sociedade em geral. “Há uma ideologia que, no fundo, reduz tudo o
que existe a um comportamento de poder. E essa ideologia destrói a humanidade e
também e a Igreja10”. E a ideologização da fé traz também essa corrosão,
e setores da Igreja instrumentalizados por tais grupos de poder acabam sendo
coniventes com isso, alguns conscientes outros inconscientemente, mas quando se
duvida da verdade sobre o primado de Deus na História, da Sua soberania, então
tal ideologia subverte os valores e compromete a verdadeira dimensão fé e
política. Por causa disso, hoje, a fé cristã “está ameaçada em toda a parte”11,
fé e política ameaçadas por tais ideologias e estruturas do mal. Isso porque,
aqueles que deveriam mais zelar pela causa de Deus, ao aderir a tais tentações,
com pactos faustianos, intensificam assim as forças adversas ao cristianismo,
forças do mal, pois “o mal tem poder através da liberdade do homem e cria então
as suas estruturas. Porque existem, manifestamente, estruturas do mal”12.
Daí a verdadeira dimensão fé e política estar sempre situada no contexto de um
combate entre a cultura da vida e a cultura da morte. E os governantes santos,
luminares da história, decidiram não fraquejar neste combate, e a exemplo de
São Miguel Arcanjo, o primeiro combatente pela causa de Deus, souberam sofrer
as dores inevitáveis para fazer valer os princípios e valores cristãos, também
no campo político, para espelhar a bondade, a magnanimidade e a misericórdia de
Deus, e mostrar ao mundo que somente Cristo é o Senhor e Salvador, somente com
Ele é possível vencer o mal, somente Ele abrirá as portas do Céu.
Os governantes santos buscaram evitar
portanto que a política fosse usada para a prática da iniquidade. Assim agiu José do Egito, e tantos ao longo
da História.
No Brasil, tivemos a Princesa Isabel, uma
governante cristã e santa, que amou o País, talvez mais do que qualquer outra
liderança política em nossa História, e sofreu por isso o mais longo exílio
impingido a uma autoridade pública, e morreu sem poder ter voltado ao Brasil
que tanto amou. Um exemplo de vida na dimensão fé e política, que teve
claramente a visão do Brasil real em consonância com a sua profunda identidade
católica, o Brasil que todos os que aqui vieram desde a chegada de Pedro
Álvarez Cabral, e escreveram sobre o que viram [e também das mazelas que viram
por aqui], mas atestaram, com vivo entusiasmo, a promissão deste País
continental, “um país plural na raiz de seu ser histórico”13,
nascido Terra de Santa Cruz, para dar ao mundo a contribuição civilizacional,
na convergência de todas as culturas, inspirada no catolicismo “cimento da
unidade nacional”14, que a Princesa Isabel, desde a infância,
assumiu com ardor, a propulsionar a vocação e a missão do Brasil (que foi
também a sua vocação e missão), como um país generoso, cujo “poderoso
caldeamento”15, ainda hoje é esperança ao mundo, mas que somente com
a seiva cristã vivificada será capaz de alcançar seu excelso destino promissor.
Como destaquei na primeira parte de um breve
retrato biográfico da Princesa Isabel:
“...a orientação segura para o melhor
desenvolvimento de sua personalidade, direcionando-a para a melhor realização
como pessoa, foi sem dúvida, a influência cristã, cuja doutrina católica ela
assimilou tão bem, e a viveu de um modo tão intenso e coerente, em todas as
fases de sua vida… Isso porque sabemos que “‘o pensamento e a vida são
inseparáveis’, do contrário não se é ‘possível compreender o que significa
‘católico’. Com esta convicção, a princesa Isabel buscou sempre afirmar a
coerência de vida.”16
E ainda naquele breve retrato, ressaltei que
a Princesa Isabel
“...demonstrou
nos três períodos em que assumiu a Regência do País, o quanto amou o Brasil e
direcionou sua ação em decisões que expressaram a sua convicção firmíssima na
fé católica. E esta fé a preparou e a orientou para assumir a coerência de
vida, em fidelidade à fé que a sustentou, e por causa disso perdeu o trono,
vivendo a dor do mais longo exílio impingido a uma autoridade política brasileira.
Até mesmo no infortúnio do ostracismo, distante da terra natal, ficou evidente
“a devoção da princesa pelo Brasil e seu desejo de fazer o bem”. Seus inimigos
e detratores, especialmente os republicanos de inspiração positivista e
anticlerical, foram implacáveis em lançar sombras sobre a sua vida,
patrulhando-a ideologicamente, silenciando sobre suas reconhecidas virtudes
pessoais e cívicas, pois temiam o seu reinado por justamente ela ter comprovado
ser uma governante cristã. Temiam mais ainda o seu retorno, porque ela tinha a
afeição do povo, que a chamou em vida de “A Redentora”. Quando lhe propuseram
recorrer às armas para retornar ao Brasil, ela recusou, pois “considerava o uso
da força incompatível com o cristianismo”, do mesmo modo como agiu em relação
ao movimento abolicionista, evitando a via da violência, para obter a
libertação dos escravos. “Quando a política deixará de empregar meios que
diminuem a grandeza moral dos povos e das pessoas? - Escreveu do exílio a João
Alfredo Correia de Oliveira - É assim que tudo se perde e que nós nos perdemos.
O senhor, porém, conhece meus sentimentos de católica e brasileira”. Lembrando
D. Pedro II, que falecera num hotel em Paris, em 1891, destacou: “Meu Pai, com
seu prestígio, teria provavelmente recusado a guerra civil como meio de tornar
a voltar à pátria... lamento tudo quanto possa armar irmãos contra irmãos...”,
pois ela “antes de tudo pensava nos mutilados, nas viúvas e nos órfãos”.
Podemos dizer da menina carioca, nascida no Paço de São Cristovão, que um dia
ascenderia ao trono brasileiro para reger com um coração cristão, o mesmo que
Antonio Vieira expressara de Santa Isabel de Portugal, a quem o nome da nossa
princesa faz evocação: “Isabel não só foi filha de rei (...) mas que filha! que
mulher! que mãe!”17
E ainda naquele breve retrato biográfico,
prossegui:
“No
ditado em português, do caderno da Princesa D. Isabel, nº 12, ela exorta como
os homens devem estampar a sua vida na história: como “uma alma pura, patriota
e caridosa”, e exclama: “Como é belo passar-se à posteridade com a reputação de
São Luiz, de Felipe Camarão!” Vidas exemplares marcadas por “pureza,
patriotismo e caridade”. Tais valores não foram mencionados como um exercício
meramente retórico, mas almejados por sua vida inteira, mesmo depois de ter
perdido o trono, por justamente ser fiel a tais valores. Destaca também sua
admiração por Henrique Dias “um dos grandes heróis do Brasil. Era preto e sua
valentia não era menor do que a dos primeiros generais do seu tempo. Achou-se
muitas vezes com Felipe Camarão e defendeu o Brasil contra a invasão holandesa.
Assistiu à segunda batalha dos Guararapes, ficando ferido. El-rei de Portugal
quis recompensá-lo e deu-lhe um hábito de Cristo”. De modo muito especial
estava São Luís em suas devoções. Para ela, “Luís é um desses cristãos para
quem a Paixão de Jesus é um acontecimento sempre contemporâneo e que deve fazer
parte da ação no presente, e não somente no qual se busque um passado santo”.
Vida de intensa espiritualidade, leigo cristão, pai de família, rei cruzado e
legislador, eis um modelo que empolga a princesa Isabel, desde criança. “São
Luís de França, o Rei Luís IX (1214-1270), participou de duas cruzadas ao
Oriente, era responsável por inúmeras fundações religiosas, conventos e hospitais.
Destacou-se por sua devoção cristã e práticas caridosas destinadas aos doentes,
pobres, cegos e indigentes. Sua conduta, segundo relatos da época, era
orientada por uma profunda admiração pela Igreja e por seus ministros. Apesar
da distância cronológica que separa o rei medieval do índio setecentista
(Felipe Camarão), ambos destacaram-se na luta contra os infiéis, favorecendo a
expansão cristã católica, associados a um projeto político. Como almas puras,
patriotas e caridosas, mereciam respeito e admiração da Princesa. D. Isabel
parecia associar o patriotismo ao reconhecimento cristão”. Ainda no mesmo
caderno de ditado em português, escreveu a Princesa: “A caridade é uma grande
virtude. Deus nos diz no primeiro mandamento: ‘Amai a Deus sobre tudo e ao próximo
como a ti mesmo’. Quantos exemplos de caridade nos deu Jesus Cristo em sua
vida. Deixai os meninos vir a mim, disse ele um dia quando os discípulos
despediam umas crianças (...) como não considerar esta virtude uma das
primeiras? Ela deve sobretudo existir nos soberanos para serem considerados
como pais de seus súditos. São Luís, rei de França, Santa Isabel de Portugal e
Santo Estevão da Hungria são excelentes exemplos desta virtude”.18
Lembrava ainda em meu breve retrato
biográfico:
“Sob o
pulso forte da Condessa de Barral, foi possível uma educação “para que a
formação espiritual da princesa correspondesse às suas responsabilidades
sociais”.67 E muito cedo despertou-lhe também o apreço pela poesia, de sã
influência. Nas poucas horas de lazer, havia tempo para as meninas recitarem
versos como estes, do Visconde de Pedra Branca, pai da Condessa de Barral: “Poe
na virtude Filha querida, De tua vida Todo o primor. Não dês á sorte, Que tanto
ilude, Sem a virtude Algum valor”.19
E mais:
“A fé
católica impregnou em sua alma jovem, com um tal enraizamento como a semente
lançada em terreno muito receptivo. Os seus sentimentos, pensamentos e visão de
mundo solidificaram-se de modo inteiramente cristão. “O incentivo vinha
certamente da mãe”93, de fé madura, “marcado por uma tradição napolitana (...)
de apoio irrestrito ao papa”.94 A princesa Isabel, assim como São Luís,
sentiam-se membros “de um corpo, a Cristandade, que tinha duas cabeças, o Papa
e o Imperador”.95 O poder espiritual dando diretriz ao poder temporal,
sustentando-o com seus princípios e valores, tendo em vista “as riquezas de
salvação”96, e não apenas prosperidade material, pois seus escritos de infância
e adolescência, comprovam a sua convicção de que “a história não pode ser
regulada longe de Deus por estruturas simplesmente materiais”97, pois “se o
coração do homem não for bom, então nada pode tornar-se bom”.98 Com isso, teve
“uma visão alegre da vida”99, da alegria que vinha do espírito das
bemaventuranças, experimentando desde cedo, de modo privilegiado, o quanto foi
querida e amada pelos pais. Viveu assim a expressão concreta de um Deus
exigente, como fora com Abraão, Jacó e Moisés. Uma alegria sadia, purificadora
e santificadora, manifestada de forma a encantar a tantos a sua volta, com quem
irradia uma esperança de vida, mesmo em meio às dores e sombras inevitáveis.
“Diante de uma sociedade cada vez mais secular, marcada por inúmeros problemas
sociais e disputas político-partidárias, D. Isabel imaginava que uma sociedade
melhor seria alcançada por meio da re-adoção de valores cristãos católicos”.
Tais valores lhe deram segurança efetiva em meio à secularização crescente, com
forças anticristãs que emergiam do Iluminismo e ganhavam força depois da
Revolução Francesa. Tronos eram derrubados por esta força hostil à Igreja,
principalmente na Europa, mas “as escolhas e apostas da Princesa”101 fizeram-na
adotar uma “política do coração”, afirmada na convicção de que somente os
valores cristãos lhe dariam “os suportes que julgava suficientemente estáveis”.20
Imbuída desses sentimentos e dessa convicção,
é que ela assumiu, ainda jovem, o maior desafio enquanto governante do Brasil,
nos três períodos de Regência, ao ter de encontrar uma resposta ao principal
desafio política do seu tempo, o de promover a abolição dos escravos, sem
derramamento de sangue, adotando assim a solução católica àquela grave questão.
Na primeira palestra que proferi, logo após
sugerir ao Arcebispo do Rio de Janeiro, Cardeal Dom Orani João Tempesta, a
abertura do processo de beatificação da Princesa, Isabel, assim expus:
“As
decisões que a Princesa Isabel tomou como regente, tornaram evidente que
reconheceu antes de mais nada, o primado de Deus. Em seu tempo, surgiram e se
intensificaram forças ideológicas contrárias à doutrina social cristã (cabe
lembrar que o Manifesto Comunista é de 1848). E que ela perdeu o trono
justamente no enfrentamento destas forças espirituais (cujas tensões ficaram
evidentes no próprio movimento abolicionista, e que tal movimento só foi bem
sucedido porque teve na Princesa Isabel a firmeza de fazer valer a fé católica
no processo. E por isso é que foi possível evitar derramamento de sangue, e
conter os ímpetos dos que queriam que se repetisse no Brasil as violências
ocorridas, por exemplo, no Haiti e nos Estados Unidos. Foi o catolicismo defendido pela Princesa
Isabel, que permitiu o êxito do maior
movimento social da história deste país, e com um resultado jubilante. Tudo
isso porque prevaleceu no processo o primado de Deus, que ela tão bem expressou
em suas ações decisivas. No exílio, ela pôde melhor compreender o alcance do
significado do mistério da fé na história.”21
E expliquei naquela conferência:
“Há
muito o que descobrir da relevante atuação da princesa Isabel no movimento
abolicionista, muito mais do que apenas ter assinado as Leis do Ventre Livre
(1871) e a Lei Áurea (1888). Não tivesse ela assumido a regência e dado o tom
tanto na gestão quanto na metodologia de trabalho e o movimento teria tido um
rumo mais drástico e explosivo. Foi o componente católico que ela imprimiu e
que a voz vigorosa de Joaquim Nabuco expressou, entre outras, que ressoou e
influiu significativamente, não somente entre os proprietários rurais
resistentes à abolição, mas principalmente entre os negros devotos organizados
nas irmandades religiosas, especialmente a de Nossa Senhora do Rosário. Os
antropólogos ficam admirados de ver como as irmandades católicas, de origem dos
tempos medievais e instituídas tanto em Portugal quanto na África foram um elo
de ligação entre os negros que queriam a sua libertação, mas sem o apelo à
violência. As irmandades católicas, portanto foram decisivas para que o
movimento abolicionista fosse bem sucedido, pois teve à frente uma governante
mulher e cristã, que tão bem entendeu a alma do povo brasileiro. Conta Didier Lahon que “na viragem do séc.
XV para o XVI, alguns escravos negros já eram membros da confraria do Rosário
de Lisboa. Essa opção pela Virgem do Rosário advinha de que ‘ a devoção ao
Rosário, e a confraria que lhe estava confiada, pregava assim, como ainda hoje,
o mais amplo ecumenismo social e racial, tentando derrubar, no seio da
comunidade espiritual dos irmãos, as barreiras que os separavam na vida
cotidiana’.
Foi o
papa Pio V quem instituiu em 1573 a festa de Nossa Senhora do Rosário da
Vitória para celebrar o êxito dos cristãos na Batalha de Lepanto. Desde então a
devoção do rosário cresceu até os dias de hoje exercendo uma força misteriosa
nos destinos dos países cristãos, especialmente na luta contra as forças hostis
à Cristandade. Ainda hoje para nós católicos, é significativa a assinatura da
Lei Áurea no dia 13 de maio, quase trinta anos antes, no mesmo dia, da aparição
de Nossa Senhora de Fátima, oferecendo o rosário como arma contra os inimigos
da Igreja.
‘Segundo
o Papa Pio V a vitória teria se dado graças à interseção da Virgem, em resposta
aos Rosários a ela oferecidos, e Gregório XIII, seu sucessor, mudou o nome da
festa para Nossa Senhora do Rosário, reforçando o Rosário como arma da
vitória’.
A
devoção ao rosário – sempre extremamente popular – foi muito difundida e aceita
pelos escravos no Brasil, e foi esta devoção que exerceu grande influência –
através da atuação das irmandades católicas – no movimento abolicionista. Isso
é o que estão descobrindo os antropólogos e acadêmicos da atualidade.
John Thorton
chamou atenção no meio acadêmico da ‘importância do catolicismo na África
Centro-ocidental nos séculos XVI, XVII e XVIII”21 e “o lugar nada desprezível
do catolicismo na relação que os africanos e afrodescendentes brasileiros
mantinham com as terras de seus antepassados.’ Marina de Mello e Souza, a
partir de pistas indicadas por Thorton, afirma que ‘no Brasil em algumas
ocasiões o catolicismo, por estar presente na região do antigo reino do Congo
desde o final do século XV, serviu de ligação com um passado africano que era
importante elemento na composição das novas identidades das comunidades
afrodescendentes no contexto da diáspora.’
E
também os estudiosos perceberam entre os escravos no Brasil, duas formas de
expressão religiosa que estarão manifestas no modo como atuaram no movimento
abolicionista. Esta distinção resultará em duas opções de resistência: a do
negro revoltoso e fugido, aquilombado, que se insurge contra o sistema
escravista, pela via da violência. A outra opção foi a assumida pelas
irmandades católicas, que agregou também em quilombos muitos negros devotos do
rosário: a do negro alforriado, organizado para prestar auxílio aos demais, sem
violência, agindo pela via institucional. Estas duas distinções têm relação as
duas formas de expressão religiosa existentes durante a escravidão: ‘No
primeiro caso estão os calundus, nos quais ritos eram realizados em torno de
altares que abrigavam objetos mágico-religiosos, havendo a oferenda de sangue
de animais, bebida e comida, ao som de tambores e com a possessão de algumas
pessoas por entidades sobrenaturais. No segundo caso estão os cortejos e danças
que acompanhavam a coroação de um rei negro pelo padre, por ocasião de festas
em torno dos santos padroeiros de irmandades nas quais a comunidade negra se
agrupava. Enquanto os primeiros eram no geral seriamente perseguidos, assim
como os quilombos e as tentativas de rebelião, os segundos eram quase sempre
aceitos e muitas vezes estimulados, uma vez que eram vistos como formas de
integração do negro na sociedade colonial escravista.’ Foi em meio a este
contexto que se deu a mobilização popular pela abolição, cujo papel das
irmandades religiosas católicas foi decisivo para que o processo culminasse com
a Lei Áurea. A Princesa Isabel percebeu, desde o início, tais tensões, e
juntamente com outras lideranças, atuou para que o gradualismo não se
estendesse demais, para não acirrar os conflitos (tanto dos proprietários
rurais quanto dos escravos aquilombados que fugiam e partiam para a resistência
com violência).
No
entrechoque das posições assumidas pelos grupos atuantes, prevaleceu a solução
católica, não imposta pelo governo nem por eclesiásticos, mas aceita
naturalmente (e aí a importância do dado antropológico) por aqueles que sofriam
a tragédia da escravidão e queriam se libertar da opressão, para serem aceitos
como pessoas e não mercadoria, e não serem discriminados socialmente. Esse
aspecto foi fundamental para preservar até hoje em grande parcela da população
negra do País, uma devoção especial à Princesa Isabel, uma veneração imbuída de
um profundo sentimento de gratidão, e é desta parcela significativa que vieram
os primeiros testemunhos de sua fama de santidade, ainda em vida.”23
Meus
amigos! Eu poderia me estender aqui elencando tantos fatos vividos que
comprovam as excelsas virtudes daquela que governou santamente este País e cujo
reinado foi abortado pelos republicanos, quando ela tinha apenas 43 anos, e com
quase por fazer.
E mais:
“Poucos
meses antes, tendo vivido a sua entrada radiante em Jerusalém, com o glorioso
13 de maio, sentiu no exílio, as dores do Getsemani, e a partir de então, se
associou ainda mais aos sofrimentos de Jesus, rei dos reis, despojado de sua
majestade, escarnecido e humilhado, até a morte de cruz. No exílio, foi
entendendo mais intensamente, as consequências da adesão àquele que é o
verdadeiro Mestre, pois ‘o seguimento é expressão de conversão permanente a
Jesus Cristo’. E na medida em que os anos no exílio foram lhe mostrando que
talvez nunca mais voltasse mesmo a ver o
Brasil, continuou perseverante e se dedicando muito aos brasileiros, pois na
sua vivência católica, de amor sempre universal, deu o testemunho de que
‘seguir é viver, amar, crescer em fidelidade, comprometer-se na construção do
reino e solidarizar-se na justiça e na amizade’.
A
princesa Isabel, pela sua formação e determinação, pelas suas opções e
decisões, pelo modo como suportou as perdas e dores e da maneira como afirmou a
fé, teve o sentido de Deus, numa época em que já se sentia poderosas correntes
culturais e políticas decretando a morte de Deus no mundo, ela viveu e fez o
que fez movida pela direção de Deus, que ‘compreende e dinamiza a pessoa
inteira com toda a sua força e sua relação essencial’, pois, a história mostra
de modo claríssimo de que ‘quem possui o sentido de Deus possui ao mesmo tempo
o sentido da vida e do ser humano. Assim unem-se em síntese a escuta e a
prontidão para a resposta existencial’.
Como
Samuel, a princesa Isabel ainda muito jovem já havia expressado em seu coração
aquele feliz ‘Eis-me aqui Senhor!’”24
Que hoje nós possamos, com o seu exemplo
santificador, reencontrar lideranças cristãs, entre nós, na dimensão fé e
política, novamente com [esse testemunho de amor pelo Brasil, no momento
difícil e desafiante em que vivemos agora. Que ela possa interceder por
lideranças política santas, para que haja o governo sadio que tanto precisamos,
para que assim o Brasil alcance seu destino promissor.
Que Nossa Senhora Aparecida, rogue por nós,
pelo bem do Brasil!
Muito obrigado!
NOTAS:
1. RATZINGER,
Joseph, O Sal da Terra- O Cristianismo e a Igreja Católica o Limiar do Terceiro
Milênio – Um Diálogo com Peter Seewald, p. 209, Ed. Imago, Rio de Janeiro,
1997.
2. MARÍAS,
Julián, Problemas do Cristianismo, p. 55, Editora Convívio, São Paulo, 1979.
3. RATZINGER,
Joseph, O Sal da Terra- O Cristianismo e a Igreja Católica o Limiar do Terceiro
Milênio – Um Diálogo com Peter Seewald, p. 185, Ed. Imago, Rio de Janeiro,
1997.
4. MARÍAS,
Julián, Problemas do Cristianismo, p. 37, Editora Convívio, São Paulo, 1979.
5. Jo
18, 36.
6. RATZINGER/BENTOXVI,
Jesus de Nazaré, V. 1, p. 43, Editora Planeta, São Paulo, 2007.
7. Ib.
p. 41
8. Ibidem.
9. RATZINGER,
Joseph, citado em “Poder Global e Religião Universal”, de Mons. Juan Cláudio
Sanahuja, p. 5, Editora Ecclesiae, 2012.
10. RATZINGER,
Joseph, O Sal da Terra- O Cristianismo e a Igreja Católica o Limiar do Terceiro
Milênio – Um Diálogo com Peter Seewald, p. 133, Ed. Imago, Rio de Janeiro,
1997.
11. verificar
12. RATZINGER,
Joseph, O Sal da Terra- O Cristianismo e a Igreja Católica o Limiar do Terceiro
Milênio – Um Diálogo com Peter Seewald, p. 176, Ed. Imago, Rio de Janeiro,
1997.
13. REALE,
Miguel, Variações, 2ª edição ampliada, p. 60, Edições GRD, São Paulo, 2000.
14. FREYRE,
Gilberto, Casa Grande & Senzala, pp. 91-92, Global Editora, 49ª edição, São
Paulo, 2004.
15. REALE,
Miguel, Variações, 2ª edição ampliada, p. 63, Edições GRD, São Paulo, 2000.
16. http://pt.scribd.com/doc/112183606/Breve-Retrato-Biografico-da-Princasa-Isabel-por-Hermes-Rodrigues-Nery
17. Ibidem.
18. Ibidem.
19. Ibidem.
20. Ibidem.
21.http://imperiobrasileiro-rs.blogspot.com.br/2011/12/catolicidade-da-princesa-isabel.html
22. Ibidem.
23. Ibidem.
24. Ibidem.
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